Figueira de Castelo Rodrigo - 02-09-2009
Ribacoa: Antigo "Celeiro da Beira" já só dá de comer a animais
Em terras de Riba Côa, região que em tempos ostentou o título de "Celeiro da Beira", já não existem searas para produção de grão, tendo hoje apenas como objectivo a alimentação dos animais.
António Marques, presidente da direcção da Associação de Jovens Agricultores do Interior Centro (AJAIC), com sede em Figueira de Castelo Rodrigo, acredita que a actual situação começou a fazer-se sentir “com a política nacional para o sector, que nos anos de 1980 começou a pagar para armazenar e não para produzir cereal”.
“Criou-se uma política de subsídios que deixou de ir ao encontro das produções, porque inicialmente havia uma ajuda à produção”, explica.
“Com os excedentes, os subsídios foram reformulados para o Regime de Pagamento Único (RPU), calculado com base na média das produções dos anos de 2000, 2001 e 2002, o que criou uma espécie de acções”, afirma.
“Apenas quem tem RPU’s recebe um subsídio, pelo simples facto de ter o terreno, e pode transferir ou vender essas ‘acções’”, frisa o também agricultor.
António Marques acredita que actualmente “começa a sentir-se o inverso, com a falta de cereal a nível mundial, mas o problema é que quebraram as EPAC’s e toda a linha comercial parou”.
“As pessoas que, até ali, começaram a mecanizar as explorações, viram inutilizadas as suas máquinas”, pelo que, “neste momento, é difícil de retomar [a produção], com os agricultores descapitalizados”, adianta.
“Exceptuando o Alentejo, onde ainda há o subsídio ao trigo duro, de uma maneira geral o agricultor virou-se para a pecuária e começou a antecipar a ceifa para silagem, cortando cada vez mais verde”, para obter um alimento “sem oxigénio, plastificado e comprimido, com uma melhor qualidade nutricional para os seus animais”, frisa este agricultor que produz 20 toneladas anuais de centeio e aveia, para alimentar a sua produção de ovinos de leite.
Para António Marques, igualmente dirigente de uma associação de caça, “em termos ecológicos a perda também é grande, porque espécies que há 20 ou 30 anos existiam nos campos de cereal, como a perdiz, a cotovia ou as águias tartaranhão”, hoje vêem os seus habitats afectados pelo corte antecipado.
Em Vilar Torpim, Figueira de Castelo Rodrigo, César Coelho, antigo agricultor e actual proprietário do único café na aldeia, recorda que, "há dez anos, entre aveia e trigo produzia cerca de 200 fanegas [cada fanega equivale a 43 quilogramas]”, acrescentando que desistiu de produzir para vender.
“Um quilograma de trigo vendia-se a 40 escudos e uma saca de adubo comprava-se a 750 escudos, hoje, vende-se o trigo ao mesmo preço e o adubo é quatro vezes mais caro”, diz.
Já Carlos Martins, um "faz tudo" em agricultura, sobrevive a custo no ramo e, junto ao seu filho de dez anos, lamenta o sonho vão de “passar o gosto pela agricultura e a tradição de muitas gerações ao João”, que quer ser engenheiro informático.
“É triste”, diz, junto a dois amigos no café, um deles o "Segas", que recorda os muitos anos como segador, de foice na mão e dedeiras, em dias de “sol a sol”.
“De outras paragens vinham grandes grupos de segadores - chegavam em ranchos vindos d’Além Côa: Chãs, Santa Comba, Vale de Azares, Régua… e por aqui ficavam várias semanas, tal a mão de obra necessária”, lembra Carlos Martins.
Lusa
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AJAIC
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